Bosque

Naquele dia tinha acordado no meio do bosque. Era a primeira vez que me acontecia naquela cidade, mas também tinha sido a primeira noite de lua cheia que passara ali. Cada vez que mudava de lugar parecia que me esquecia de como controlar o meu instinto de loba e isso assustava-me. Comecei a correr por entre as árvores, era tarde mas felizmente não era dia de trabalho. Já cansada parei junto duma árvore, vendo ao longe, de costas, alguém que caminhava cuidadosamente. Aproximei-me lentamente, tentando não fazer barulho para ver quem era.

Parei assim que o indivíduo falou. Confesso que me conseguiu assustar até, não contava que falasse. Portanto todo o meu corpo estremeceu. - Bela audição! - disse um pouco sarcástica, ainda espantada e confusa.
Aproximei-me com o objectivo de ver quem ele era, talvez já o tivesse visto antes ou fosse apenas uma cara nova.

Apoiei as mãos nas ancas assim que ele se voltou. Analisei o seu rosto e não me era familiar, no entanto tinha boa aparência. Controlei-me para não me rir dos meus pensamentos à frente dele, podia ofendê-lo.
- Primeiro define "uma rapariga como eu". - disse fazendo aspas com os dedos. - Sem querer ofender, mas acho que isso não te diz respeito. - disse calmamente. Normalmente evitava brigas, gostava de me dar bem com toda a gente.

Após aquele comentário estava na hora de partir para a defensiva. Estava claro que ele não era grande fã da minha espécie. -Muito espertinho. - disse semicerrando os olhos. - Mas fica descansado, eu não te vou fazer nada. Não tenho por hábito magoar os outros. - disse um pouco fria mas sincera. - E tu andas aqui a fazer o quê? - perguntei desconfiada.

A sua atitude estava a irritar-me seriamente. Eu estava a falar a sério e ele estava a gozar sempre que tinha uma oportunidade. Eu não lhe tinha feito mal nenhum, não entendia aquela reacção. - A caçar lobos, dizes tu? Muito bem, encontraste um. O que vais fazer agora? Matar-me? - não pude deixar de rir ainda que baixo. - Força.
Estava confiante de que ele não me ia fazer nada. Caso fizesse, era necessário um plano de emergência.

Vi-o atirar uma faca para o chão, chegando à conclusão de que sempre fora sua intensão magoar-me. Respirei fundo tentando acalmar-me. - Não és lá grande caçador de lobos. Se o fosses já tinhas aproveitado a oportunidade. Mas eu já percebi que por trás dessa máscara tu não és quem pareces. - disse-lhe. Ele que interpretasse como entendesse. - Eu não tenho medo de ti.

Dei uma risada sarcástica. Estava mais claro que nunca que ele tinha alguma coisa contra mim, mas eu não sabia nem o quê nem porquê. Achei melhor deixar de o provocar, isso só o deixaria mais furioso. Reparei nas folhas que giravam à nossa volta, resultado da sua revolta. - Reaalmente eu não sei nada. Nem o porquê dessas atitudes que tomas. Elucida-me se não é pedir muito.

Apesar do seu motivo ser um pouco vago, não insisti mais no assunto. - Fica descansado, não tenciono que sejamos amigos, apesar de não ter nada contra ti. Eu não conseguia ser tão mesquinha ao ponto de odiar alguém que não conhecia, muito menos alguém contra quem não tinha motivos para odiar a não ser o seu próprio ódio à minha pessoa.

Voltei a semicerrar os olhos quando ele se aproximou. Mantive-me firme, sem mostrar medo ou cobardia. - O que te garante que nos vamos voltar a cruzar? - perguntei tirando-lhe a faca da mão com alguma brusquidão e analizando-a.

Revirei os olhos e cruzei os braços. - Tudo bem, aviso dado. Mais alguma coisa? - perguntei. Provavelmente ele estaria à espera que eu fosse retribuir a ameaça, mas não ia descer ao nível dele, ainda que fosse essa a minha vontade.

Soltei uma gargalhada audivel e disse com ironia: - Fica descansado, eu vou deixar de sair de casa porque um idiota qualquer que nem a decência de se apresentar teve não me quer ver! Aquilo era ridículo ele merecia uma boa chapada.

Desviei o olhar e cruzei os braços, mantendo-me séria. - Não é o que me parece. - comentei. - A mim dás-me a entender que estás desejoso disso. - aproximei-me ligeiramente. - Portanto estás à espera de quê? - disse olhando para a faca.