Floresta

Como finalmente o sol tinha decidido aparecer, levantei-me mais cedo do que o habitual e fui correr para a floresta. Não podia dizer que não me trazia más recordações, porque trazia, mas era ali que eu mais gostava de correr. Para além de não estar ali mais ninguém, o som dos animais que se faziam ouvir, era relaxante. Coloquei os fones nos ouvidos assim que lá cheguei, colocando a música a tocar baixinho e, depois dos alongamentos, comecei a minha corrida. Já não o fazia há muito tempo e, como sempre gostara de desporto, era algo de que tinha saudades. Já para não falar de que preisava de estar em forma, nunca se sabia quando é que ia ter de usar toda a minha força. Corri durante mais ou menos meia hora e foi quando estava a voltar em direcção à estrada que avistei, na berma da mesma, uma mota caída. Levantei apenas uma sobrancelha, tentando perceber se estava alguém debaixo dela e só quando me aproximei o suficiente é que percebi que não, não estava ninguém em baixo, mas estava um rapaz caído ao lado dela, totalmente inconsciente e ensaguentado. Arregalei os olhos, correndo logo para junto dele e ajoelhei-me, começando a dar-lhe chapadinhas na cara.
- Acorda.- murmurei, debruçando-me para tentar ouvir o som do seu coração e, quando consegui, agradeci por não estar morto.

Só me lembro de um carro se atravessar à minha frente quando um camião me ultrapassou. Ou foi o carro que me ultrapassou. Nem isso estava bem assente na minha memória. Depois da queda não me lembrava de mais nada.
Fechei os olhos com mais força quando senti umas chapadinhas na cara que me estava a fazer despertar e gemi com a dor que tinha na minha cabeça e no resto do meu corpo. Abri os olhos devagarinho, tendo que pestanejar algumas vezes para conseguir ver direito uma rapariga que devia ser da minha idade.
-Olá -murmurei com a voz rouca.

- Acorda.- voltei a repetir, quando dele demorou a fazê-lo, e só parei quando os seus olhos fechados se fecharam ainda mais e eu percebi que estava a despertar. Endireitei-me ligeiramente, sem deixar de estar de joelhos, e dei-lhe espaço para abrisse os olhos, não conseguindo abandonar a minha expressão preocupada enquanto ele acordava, afinal, não era todos os dias que encontrávamos uma pessoa desmaiada ao pé da rua. Passei a mão devagarinho pelos seus cabelos colados à testa, ao mesmo tempo que o ouvia dizer-me olá e juntei as sobrancelhas, olhando a sua cara.- olá.- murmurei.- estás bem? - perguntei.- o que é que te aconteceu?

Tentei levantar a cabeça, mas permaneci deitado e a olhar a rapariga que me tinha conseguido despertar.
-Eu... - olhei para a minha moto e abanei a cabeça fazendo uma careta de seguida e percebi que o meu capacete tinha-se desprendido e caído ao meu lado, devia ter batido com a cabeça e era por isso que ela me doía. - Não sei, tive azar - fiz força nos braços para me sentar e olhei para a rapariga. - Obrigado.

Fiquei a olhá-lo, só reparando naquele momento na ferida que ele tinha na cabeça, e foi então que vi o seu capacete caído ao seu lado, num estado ainda pior do que ele. Fiz uma pequena careta, enquanto tentava imaginar o que se tinha passado com ele e quando voltei a olhá-lo, já ele se estava a sentar.
- O que é que pensas que estás a fazer? - perguntei, agarrando-o pelos ombros e fiz força nos mesmos para que se voltasse a deitar.- tens de ficar quieto até eu chamar a ambulância, podes ter alguma coisa partida.

Olhei-a confuso quando me forçou a deitar - estou a sentar-me - respondi à sua pergunta mas deixei que ela me empurrasse. Abanei a cabeça mal a ouvi falar no hospital - não - disse logo. - A minha mãe não pode saber disto - voltei a sentar-me com uma careta - eu estou bem, foi só um susto, não tenho nada partido. - disse muito rápido para ver se mudava de opinião.

Apalpei os meus bolsos, pegando no meu telemóvel quando ele permaneceu deitado, e ainda bem, mas isso não durou muito tempo porque assim que eu falei em chamar uma ambulância ele voltou a sentar-se muito de repente, começando a falar muito rápido, rápido demais.
- Ei, tem calma.- pedi com uma careta.- podes não ter nada partido, mas também não estás bem.- disse.- já olhaste para as tuas feridas? -apontei com o queixo para as mesmas.- alguém tem de tratar disso.

Olhei para baixo, para o meu tronco quando ela falou nas minhas feridas e percebi que era daí que vinha todo o desconforto. Não doía muito, era algo desagradável, mas mal se sentia. Levantei um pouco a camisola para as observar melhor e abanei a cabeça - não está assim tão mau, são superficiais - olhei-a - não chames ninguém, por favor. Eu vou para casa e desinfeto.- prometi.

Arregalei ligeiramente os olhos quando levantou a cabeça de repente, por não estar à espera que o fizesse, mas logo me recompus, ficando a pensar se deveria deixá-lo ir embora ou não. Tinha ficado mesmo preocupada, afinal, não era todos os dias que encontrávamos uma pessoa no meio da estrada.
- Fazemos assim.- comecei a falar.- eu não chamo ambulância nenhuma mas tu vens comigo até minha casa.- encolhi os ombros antes que pensasse coisas.- ao menos assim tenho a certeza que alguém trata das tuas feridas.- completei.- até porque não te vou deixar conduzir a mota nesse estado e eu vivo perto.- olhei-o.- pode ser?

Voltei a olhar a rapariga quando me falou e assenti.
-Mas eu não posso deixar a minha mota. A minha mãe... - pressionei os lábios um no outro para parar de falar na minha mãe, ia parecer um menino mimado e assenti mais uma vez. - Posso ir até tua casa - tentei começar a levantar-me, o que, surpreendentemente, foi fácil. -Qual é o teu nome? - perguntei.

Olhei para a sua mota quando falou dela e abanei a cabeça, começando a levantar-me até me endireitar.
- Podemos deixá-la aqui, na floresta, e quando estiveres melhor e quiseres vir para casa vimos buscá-la.- disse e quando me ia preparar para o ajudar a levantar-se, já ele estava de pé.- tens de ter cuidado, não podes levantar-te assim tão rápido.- disse, tentando não parecer muito chata e depois olhei-o quando perguntou o meu nome.- Allison.- respondi.- e tu?

-Mas eu sinto-me bem - expliquei quando disse que não me podia levantar tão rápido. Precisava de chegar mais cedo do que todos lá em casa. Se a minha irmã me visse ia logo contar à minha mãe e não me apetecia ouvir os sermões dela em como devia ter cuidado. Desta vez a culpa não tinha sido minha, mas parecia ter sido por um triz. - Scott - sorri - vamos?

Sorri ligeiramente assim que me disse o seu nome e assenti depois à sua pergunta, fazendo sinal para que me seguisse enquanto começava a andar em direcção a minha casa.
- Tu não te lembras mesmo do que te aconteceu? - acabei por perguntar enquanto andávamos.- não te lembras se foi um acidente ou algum problema na mota? - olhei-o.- é que, é um bocado estranho.- confessei com um pequeno encolher de ombros.- não me leves a mal, só fiquei preocupada.

Andei lentamente a seu lado, sentia-me bem, mas não queria abusar, sabia que tinha sido uma boa queda e se tivesse caído de outra forma teria morrido.
-Eu lembro-me que estava a andar bem depressa e depois - fiz uma careta e abanei a cabeça - não sei, era um carro e um camião, foi tudo de repente, não sei. - passei uma mão pela cabeça. Agora que esforçava a memória parecia que me espetavam facas no cérebro. - Não, eu agradeço por teres ido ajudar-me. - sorri-lhe.

Olhei em volta à medida que andávamos, vendo logo a minha casa ao longe mal atravessámos a estrada e só o voltei a olhar quando o ouvi falar. Arregalei os olhos, enquanto o olhava e passei as mãos pela cara, para afastar os cabelos, antes de falar.
- Tu foste atropelado por um carro e um camião e estás a andar como se nada fosse? - perguntei, olhando-o de alto a baixo.- tens a certeza de que não queres ir ao hospital? - perguntei, realmente preocupada e apenas encolhi os ombros quando me agradeceu.

Juntei as sobrancelhas e olhei para trás, onde tinhamos deixado a minha mota.
-Não sei - olhei-a - posso não ter sido atropelado, posso ter tentado desviar-me e caído - abanei a cabeça - não me lembro, mas não parece ter sido assim tão grave. - só assim é que ainda podia estar de pé e a andar tão bem.

Olhei-o pelo canto do olho, enquanto o ouvia falar, e à medida que o fazia, mas espantada eu ficava face à facilidade com que caminhava.
- Só podes ter caído, caso contrário, era impossível estares a andar assim.- encolhi os ombros e, assim que vi a minha casa ao longe, peguei logo nas chaves.- és de cá? - lembrei-me de perguntar à medida que nos aproximávamos.

Levantei um bocado da minha camisola ao mesmo tempo que abanava a cabeça. Era a minha favorita. Eu andava mesmo sem sorte. Assenti ao que disse - deve ter sido isso. - disse e fui atrás de si ao que suspeitava ser a sua casa. Sorri quando me perguntou se era de cá e assenti - sim desde sempre, vivo um bocado mais longe, mas vivo aqui, e tu? És de cá?

Assim que voltei a olhar para ele, lá estava a sua camisola a ser levantada de novo. Arregalei ligeiramente os olhos, olhando logo em frente de novo e assim que chegámos a minha casa, caminhei o grande caminho da entrada ao seu lado, parando junto da porta ao mesmo tempo que ouvia a sua pergunta.
- Sou.- respondi com um leve sorriso.- nasci cá e vivo nesta casa desde sempre.- respondi, abrindo a porta para que entrasse.- não te assustes quando a minha cadela aparecer.- avisei logo.- ela é daquele tipo de cães que ladra muito mas não morde.- ri-me.